Yielding Beings, 2019 - 2020

Inkjet prints 61 cm x 51 cm (edition of 3 + 2AP)

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Sofia Marçal, Desinquietar os Seres Submissos, MUHNAC - Museu Nacional de História Natural e da Ciência, 2021


A exposição de fotografia Yielding Beings do artista plástico e investigador Miguel Santos, resulta de uma pesquisa iniciada em 2012 que inclui a participação numa residência artística em biologia sintética no German Cancer Research Center (Heidelberg) e na atribuição pelo The Leverhulme Trust (Reino Unido) de uma prestigiada bolsa para uma residência artística no departamento de geografia da Universidade de Durham.


Na exposição a apropriação metodológica do artista que também é investigador, é a dinâmica do experimentalismo que se relaciona com o experimentalismo na ciência. “A singularidade da obra de arte é idêntica à sua forma de se instalar no contexto da tradição. Esta tradição, ela própria, é algo de completamente vivo, de extraordinariamente mutável.”[1] O ponto de intersecção entre a Arte e a Ciência é a própria transformação, a criação e construção do trabalho artístico revelam uma pesquisa que pode ocasionar outras possibilidades de investigação.


Estas fotografias foram tiradas em Portugal e Espanha e evidenciam o artivismo do Miguel Santos, que se apoderou do território como matéria-prima para a sua execução. Representam paisagens consumidas pelo desenvolvimento humano. O artista nesta exposição não nega um sentido transcendente da arte, propõe algo que ultrapassa o poder da materialização, cuja desmesura rompe limites e se posiciona ao nível da primazia da dimensão estética. Fotografias de terrenos cultivados, de ruínas, de equipamentos industriais, que identificam a relações entre o uso de novas tecnologias, biotecnologia e geoengenharia na redução da biodiversidade, erosão de solos e do impacto hidrográfico.


Citando o artista, “este projecto pretende contribuir para a investigação do impacto da agro-industrialização no território Português e promover o debate sobre as razões que sustentam esses modelos de relacionamento com o meio ambiente. Enquadrado pelos mais recentes debates sobre a época do Antropocénico, onde se reconhece o impacto dos seres humanos e das suas atividades no planeta Terra, e consequentemente, da interdependência entre ás varias espécies que o caracterizam e independentemente de hierarquizações com base em, por exemplo: tamanho, visibilidade, estado físico. É nesse contexto que se pretende mapear essas relações, especificamente na indústria agrícola e gestão florestal, contribuindo para a visibilidade das mesmas e de um melhor relacionamento entre seres humanos e os seus ecossistemas no contexto Português.”


Miguel Santos faz o estudo das relações entre as diferentes formas de domínio dos seres humanos aos seres não humanos, na influência dos aspectos sociais e económicos, na leitura dos seus elementos e os diferentes mecanismos de atuação, construção, propriedade, uso e transformação ao longo do tempo. “De todos os acontecimentos que participamos, com ou sem interesse, a busca fragmentária de uma nova forma de vida é o único aspecto ainda apaixonante. É necessário desfazer aquelas disciplinas que, como a estética e outras, se revelaram rapidamente insuficientes para essa busca. Deveriam se definir então alguns campos de observação provisórios. E entre eles a observação de certos processos do acaso e do previsível que se dão nas ruas.”[2] Na exposição aborda-se  o controlo  humano nos seus diferentes aspectos, como exemplo; o desvio dos cursos naturais da água, a manipulação das árvores para corresponderem à produtividade desejada, em prejuízo da importância do solo como uma grande riqueza natural com todos os microrganismos que contribuem para  biodiversidade dos ecossistemas. O amago desta exposição é o impacto ambiental – não humano – desses modelos de produção alimentar e não nas implicações sociais.


A prática artística e de investigação do Miguel Santos converge para a intersubjetividade e interdependência na relação que temos com a Natureza e com as dinâmicas das relações do Homem com os outros seres. As fotografias fazem o mapeamento como o estudo do ambiente natural na tentativa de evidenciar os diferentes comportamentos evasivos dos humanos e o levantamento de algumas dessas não –relações com um lado ativista e político. “E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro.[3] Como é que conseguimos reintegrar os seres não humanos na nossa vivencia sem os exterminar ou manipular?


Miguel Santos expõe a narrativa da sua exposição num contexto de intemporalidade que nos transporta para um local preenchido com marcas dessas memórias fazendo-nos suas testemunhas. “Nunca nenhum escritor, compositor ou pintor sério duvidou, nem mesmo durante os momentos de esteticismo estratégico, de que a sua obra tratasse do bem e do mal, do enriquecimento ou delapidação da humanidade do homem e da cidade.”[4] É possível estabelecer uma discussão sobre a relação entre o mundo social e o mundo artístico, de forma a entender qual é a responsabilidade do artista na cultura contemporânea. A efemeridade da exposição é transportada para uma dimensão objetiva e de estudo, onde o conhecimento gerado é trabalhado para ser partilhado por todos.


[1] Walter Benjamin, in: A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, p.83.

[2] Guy Debord, in: Introdução à crítica da Geografia Urbana. Publicado no # 6 de Les lévres nues. Setembro 1955. 

[3] Zygmunt Bauman, in: Amor liquido – Sobre a Fragilidade dos laços humanos, p.18.

[4] George Steiner, Presenças Reais, p. 133.